Os políticos de ontem e os de hoje

Apesar de ter nascido depois do 25 de Abril, sei bem dos custos que teve a falta de liberdade, a existência de uma polícia política, o isolamento crescente do país, a mão-de-ferro pública e tantos outros problemas graves do regime anterior. Mas quando olhamos para a baixa qualidade dos políticos de hoje, chegamos à conclusão que nos enganámos em alguns dos caminhos que percorremos nas últimas décadas. A culpa será do ensino e falta de formação básica? Das fábricas de amorais habilidosos que começam desde cedo nas juventudes partidárias? Ou terá raízes ainda mais profundas e sinistras que vão até aos alicerces da nossa sociedade?

As eleições são concursos de popularidade. Apenas. Os programas eleitorais tornaram-se supérfluos porque ninguém se preocupa em cumpri-los, por isso inventam-se umas quantas frases de marketing e espera-se que a população engula, assim como engole os maus serviços públicos essenciais e o desrespeito pelos direitos fundamentais. Se algo como o comentário político resultou para eleger algum, vão logo uma série de outros atrás e o resultado é uma série de medíocres a elogiarem-se uns aos outros, motivados pelos instintos básicos da ambição pessoal e da venda da própria alma a quem pagar mais. Aliás, se quisessem ser realmente sérios, os políticos deviam colar os respetivos patrocinadores nos seus caros fatos italianos, tal como os pilotos de corridas de automóveis fazem nas roupas. Da minha experiência pessoal, posso dizer com clareza algo que pode parecer profundamente perturbador, mas que é a realidade transversal a todos os partidos: quem se destaca não são os mais competentes ou com mais intelecto, não são os mais sérios ou os mais perspicazes, nem sequer os mais aguerridos – quem hoje se destaca são os espertinhos sem culpa ou remorso, os narcisistas camuflados, os que compram e vendem favores, os que desde cedo se formam na escola do paciente servilismo e da dissimulação.

Termino pelo início, sublinhando que não vivi o antigo regime e que sei bem que caiu de podre, o que teve consequências muito nefastas para todos nós. No entanto, o nível dos políticos era completamente diferente, de outra casta que os atuais não chegam sequer aos calcanhares. Tive a honra de privar com gente que esteve de um lado e de outro da barricada: que eram profundamente de esquerda, com convicções ideológicas vincadas e serviço desinteressado ao povo, mas cuja humildade os fez permanecer longe das proclamações atuais dos propagandistas; e de direita, cuja lucidez, valores e altruísmo, foram sempre uma referência para mim. Também tive o privilégio de me ter cruzado com grandes políticos de outrora, apesar de nunca ter discutido política com nenhum deles – e posso dar exemplos muito concretos: Joaquim Silva Cunha, um grande académico com um trato igual para todos com quem se cruzava e de uma simplicidade inspiradora; Baltasar Rebelo de Sousa, a mais perfeita descrição do que era um cavalheiro, com bons sentimentos e uma enorme nobreza de caráter; João Almeida Garrett, cuja mente era extraordinária e de quem fui aluno; Fernando Pacheco de Amorim, além da grande cultura e da inteligência impressionante, tinha uma bondade e uma humildade exemplares. E muitos outros, alguns de que não me recordo tão claramente e outros que não ficaram tão conhecidos, porém todos incomparavelmente maiores do que os políticos de hoje, tanto em termos de sentido de justiça e serviço ao próximo, como nos valores substanciais com que firmavam a sua vida. Agora que eu estou a meio da meia-idade, tenho de dar este testemunho e sublinhar que, mais importante do que criticar, é termos consciência que ainda vamos a tempo de corrigir os erros e construir um futuro com políticos que tenham sólidas competências intelectuais e psicológicas.

Ler o artigo completo (vale a pena) no Semanário O Diabo de 19/05/2023

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