Vejo e sinto diariamente a crescente falta de valores da sociedade, sobre a qual venho falando há tanto tempo. Não estou a falar de intelectualidade, de literacia, de capacidade cognitiva ou competência técnica, embora também sejam características cada vez mais escassas. Todos sabemos que a sociedade tem uma estrutura hierarquizada e segmentada de acordo com certas construções culturais, sendo a dominante de raíz marxista que nos divide em classes sociais.
Uma das características distintivas mais importantes da personalidade e valor de um ser humano é a forma como trata as pessoas relativamente à classe social percepcionada. Pessoalmente e por razões de formação católica tradicional, fui criado de forma a tratar melhor os pobres e desafortunados – não vou explicar as razões intrínsecas e filosóficas, pois seria motivo de outra crónica. Também pessoalmente e por motivos que não interessam aqui, vivo em dois mundos onde sou tratado de forma oposta.
Num deles, não me faltam as vénias, as selfies, os títulos, o exagero adulador. No outro, sou quase invisível, olhado de cima, raramente cumprimentado e quase cuspido. Adivinhem onde me sinto melhor? Pois é, neste último. Onde não há disfarces, as pessoas se apresentam como são, sem máscaras, nos seus pequenos universos fantásticos onde são heróis que vão conquistar os seus ridículos sonhos e não importam os meios para chegar aos fins. Neste mundo, estes que me tratam como um cão sarnento, curvam-se e adulam aqueles que se curvam a adulam perante mim no outro mundo. Eu observo, apenas. E sorrio. Não sei qual o peso que cada pessoa carrega. Vivemos entre seres humanos com instintos primitivos e básicos, onde a busca do poder e da segurança são a prioridade. Não julgo ninguém, que há trinta anos trazia comigo uma altivez arrogante da qual hoje me envergonho – quem sou eu para julgar? Apenas me curvo com humildade, porque cada pessoa é grandiosa e para mim uma grandiosa lição.
