Este é o meu testemunho pessoal
13 de Maio de 2000
O imenso calor de um sol forte faz-me pedir a duas freiras idosas para compartilharem comigo o guarda-chuva enorme que trouxeram. Já ontem à noite, eu tinha estado nas traseiras da Capelinha das Aparições, mas só conseguindo ver o Santo Padre por segundos. Hoje acompanhei novamente a viagem da imagem de Nossa Senhora, do centro da cerimónia até à Capelinha. Do lado de fora da multidão, tenho o trajeto livre para ver João Paulo II que, quase imóvel, preside com visível sacrifício à celebração da beatificação de Jacinta e Francisco. Na impaciência ansiosa dos meus vinte e cinco anos, sou obrigado a também ficar imóvel.
A poucos metros do Santo Padre, já santo em vida, fecho os olhos e peço que me ajude. O caminho que se avizinha é duro e a minha fé é demasiado humana. Mas a importância deste dia ultrapassa, em muito, o meu percurso pessoal. Ali está um grande líder que mudou o mundo, à minha frente, a abraçar o seu sofrimento pessoal, sem ser escravo dele, numa lição de estoicismo para com toda a humanidade.
Dezanove anos antes, a 13 de Maio de 1981, um terrorista fanático disparava três tiros à queima-roupa contra o Papa. Agradecido à Senhora de Fátima por sobreviver a cinco horas de cirurgia entre a vida e a morte, veio no ano seguinte a Portugal, onde foi recebido em êxtase no Terreiro do Paço, nos Aliados e em Braga. Voltou passados dez anos, também com um agradecimento perante a queda do muro de Berlim e a libertação dos povos europeus. Neste ano do jubileu, quebra o protocolo e vem despedir-se da Senhora de Fátima, pressentindo que a morte chegaria em breve. Oferece o seu anel pontifício e revela o terceiro segredo de Fátima, perante a estupefação de tanta gente.
Eu no meio da multidão, testemunha de tudo isto, mas com uma fé mais frágil do que Mateus. Cada uma das cem mil pessoas sairão dali com uma marca do que estava a acontecer, nem que fosse do sol forte. Talvez em 2022 precisaremos, mais do que nunca, dessa marca – principalmente nós, em Portugal.