A decisão do juíz Ivo Rosa só surpreendeu quem vive num mundo cor-de-rosa, que não é, com toda a certeza, a realidade deste nosso Portugal. Perante as evidências que as fugas de informação sobre o processo nos indicaram, é óbvio que a maioria dos crimes foram colocados de lado, ou por prescrição dos mesmos, ou por questões técnicas sobre a não utilização das escutas, ou outras situações que só vieram provar que a justiça está ao serviço das elites e grupos de interesse. E isto não é novidade nenhuma, porque o resto do sistema controla a nossa sociedade, sob um manto de corrupção e falta de valores, que beneficia a ideologia predominante. E não há quem enfrente isto, mesmo que aparentemente apareçam agora uns radicais e liberais com um discurso “novo” – mas uns utilizam o populismo para espicaçar quem está realmente farto disto tudo, sem ter soluções, pois fazem parte do próprio sistema; outros são uma elite que quer quer ganhar poder e substituir a elite que está no poder. Ou seja, não há quem lute pelo cidadão comum, que sofre diariamente, que tem acesso a um mau serviço público, que trabalha sem condições, que é empreendedor num jogo com o campo inclinado contra si. Entre a esquerda incompetente que se aproveita do povo e a direita sem rumo ou identidade, Portugal está entregue a líderes que se lambuzam num festim despudorado, enquanto o resto do povo está entorpecido, domesticado, sem soluções nem políticos que os defendam.
A onda de virgens ofendidas com o previsível desfecho do caso Sócrates, Ricardo Salgado e companhia, é o que há de mais hipócrita nisto tudo. Os que mais se vitimizam são os que a vida toda pediram cunhas para si e para os filhos, mentiram sobre a situação fiscal pra obter bolsas e subsídios, se aproveitaram da podridão do sistema para ganhar vantagens. Ninguém acha estranho, no meio da óbvia incompetência socialista e da miséria escondida pela comunicação social, que os mesmos que nos governam tenham dois terços de votantes nas sondagens? Evidentemente, para a grande maioria interessa, de uma ou outra forma, que as tais falhas, do sistema democrático e de justiça, continuem. Senão, como a filha vai ter um emprego na empresa camarária? O dinheiro da herança vai ter de sair do paraíso fiscal? O sobrinho vai perder a bolsa se o irmão declarar a situação fiscal real? O negócio vai falir se tiver de cumprir os direitos laborais? Os subsídios vão terminar se não puder fazer contabilidade criativa? – Não, é melhor continuar tudo como está.
